Cannabis sativa é uma planta que possui mais de 400 ingredientes ativos, como flavonoides, terpenos e canabinoides. Dentre estes, destacam-se os canabinoides Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC) por serem os compostos majoritários e por apresentarem importantes propriedades farmacológicas (resumo na Figura 1).
Figura 1: Principais propriedades farmacológicas do Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC).
Produtos à base de cannabis medicinal estão sendo utilizados mundialmente com resultados promissores para uma grande variedade de condições como dor crônica, epilepsia, insônia, esclerose múltipla, doenças músculo-esqueléticas e vários tipos de distúrbios do Sistema Nervoso Central, entre outros. Inclusive, na literatura científica existe uma ampla gama de estudos clínicos demonstrando efeitos terapêuticos superiores e com menos efeitos adversos de produtos à base de cannabis em comparação com medicamentos clássicos para patologias severas, como por exemplo síndromes epiléticas em crianças.
Embora existam muitos produtos à base de cannabis sendo utilizados em diversos países, até mesmo como alimentos e cosméticos, poucos são registrados como medicamentos. Até o momento, nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália, existem apenas cinco medicamentos, com indicações para os tratamentos de epilepsia, de náuseas associadas à quimioterapia, de anorexia associada à perda de peso em pacientes com AIDS, de espasmo muscular e dor neuropática associados à esclerose múltipla. Dentre os efeitos adversos dos produtos, existe variação dependendo do ingrediente ativo. Produtos à base de CBD: sonolência, diarreia, vômito, diminuição do apetite e alterações hepáticas. Produtos à base de THC: sonolência, tontura, fadiga, vômito, náusea, boca seca, euforia e efeitos adversos cognitivos. Produtos que contém CBD e THC induzem efeitos adversos similares aos induzidos pelos ingredientes ativos, podendo variar em frequência e severidade, dependendo da composição.
No Brasil, atualmente, 18 produtos medicinais à base de cannabis possuem autorização sanitária da ANVISA para sua fabricação e importação. Estes produtos contêm o fitofármaco CBD ou extratos de C. sativa com diferentes concentrações e proporções de CBD e/ou THC. Conforme dispõe a RDC 327/2019, com a autorização sanitária, os produtos poderão ser importados e comercializados em farmácias e drogarias no Brasil. A dispensação dos produtos deverá ser feita pelo farmacêutico, a partir de prescrição médica por meio de receita especial do tipo B, pois são produtos controlados conforme a Portaria SVS/MS 344/1998 e suas atualizações. No entanto, até o momento nenhum produto foi registrado como medicamento.
A autorização sanitária terá a duração de cinco anos e, durante este período, a empresa detentora deverá realizar o registro do produto como medicamento fitoterápico, medicamento específico ou medicamento novo. A definição do tipo de medicamento deverá ser feita com base na caracterização do produto, como concentração de ingredientes ativos, processos de extração etc. Dependendo do tipo de medicamento a ser registrado, o desenvolvimento do produto deverá seguir os preceitos das resoluções RDC 26/2014, RDC 24/2011 ou RDC 200/2017 e normas complementares. Dentre os requisitos fundamentais destes caminhos de registro, existe a comprovação de segurança e de eficácia do produto.
Em relação à avaliação de segurança dos produtos, a ANVISA estabelece estratégias diferentes para estas classes de medicamentos, cujos principais aspectos são discutidos nos itens a seguir.
Avaliação de segurança de Medicamentos Fitoterápicos
Para medicamentos fitoterápicos, que incluem por exemplo produtos fitocomplexos contendo extratos, que não passam por processos de extração ou purificação, a avaliação de segurança do produto deve seguir as recomendações da RDC 26/2014. Assim como é exigido para medicamentos sintéticos e específicos, a comprovação da segurança deve ser feita com base em dados toxicológicos de estudos pré-clínicos e clínicos. Entretanto, documentos técnico-científicos podem ser considerados como suficientes pela ANVISA, desde que estes sejam representativos (robustos e oriundos de produtos equivalentes ao medicamento em questão). Em alguns casos, conforme o Guia ANVISA 22/2019 - Guia Estudos Não Clínicos Necessários ao Desenvolvimento de Medicamentos Fitoterápicos e Produtos Tradicionais Fitoterápicos, é necessária a realização de ensaios toxicológicos com o produto em questão, principalmente para a avaliação de genotoxicidade, toxicidade reprodutiva e carcinogenicidade. Os estudos pré-clínicos devem ser realizados de acordo com a norma Boas Práticas de Laboratório - BPL (no Brasil, NIT-DICLA 035 e NIT-DICLA 071 e normas complementares). Os principais aspectos sobre a estratégia de avaliação de segurança de fitoterápicos e guias relacionados estão apresentados na figura 2.
Figura 2: Resumo dos principais aspectos sobre a avaliação de segurança de medicamentos fitoterápicos.
Avaliação de segurança de Medicamentos Específicos
Para medicamentos específicos, que incluem por exemplo produtos contendo fitofármacos, insumo farmacêutico ativo (IFA) de origem vegetal isolado ou altamente purificado, a avaliação de segurança do produto deve seguir as recomendações da RDC 24/2011. A comprovação da segurança deve ser feita com base em dados toxicológicos de estudos pré-clínicos e clínicos realizados com o próprio produto, de acordo com o Guia da ANVISA de 2013 – Guia para a Condução de Estudos Não Clínicos de Toxicologia e Segurança Farmacológica Necessários ao Desenvolvimento de Medicamentos. Neste caso, dados da literatura de produtos similares são considerados como complementares. Os estudos pré-clínicos devem ser realizados de acordo com a norma Boas Práticas de Laboratório - BPL (no Brasil, NIT-DICLA 035 e NIT-DICLA 071 e normas complementares). Os estudos clínicos devem seguir a RDC 9/2015 e guias complementares. Os principais aspectos sobre a estratégia de avaliação de segurança de medicamentos específicos e guias relacionados estão apresentados na figura 3.
Figura 3: Resumo dos principais aspectos sobre a avaliação de segurança de medicamentos específicos.
Avaliação de segurança de Medicamentos Novos
Para medicamentos novos, que incluem IFA sintético ou semissintético, a avaliação de segurança deve ser realizada de acordo com RDC 200/2017 e guias complementares. De maneira similar à avaliação da segurança de medicamentos específicos, a comprovação da segurança de medicamentos novos deve ser feita com base em dados toxicológicos de estudos pré-clínicos e clínicos realizados com o próprio produto, de acordo com o Guia da ANVISA de 2013 – Guia para a Condução de Estudos Não Clínicos de Toxicologia e Segurança Farmacológica Necessários ao Desenvolvimento de Medicamentos. Os dados da literatura de produtos similares são considerados como complementares. Os estudos pré-clínicos devem ser realizados de acordo com a norma Boas Práticas de Laboratório - BPL (no Brasil, NIT-DICLA 035 e NIT-DICLA 071 e normas complementares). Os estudos clínicos devem seguir a RDC 9/2015 e guias complementares. Os principais aspectos sobre a estratégia de avaliação de segurança de medicamentos novos e guias relacionados estão apresentados na figura 4.
Figura 4: Resumo dos principais aspectos sobre a avaliação de segurança de medicamentos novos.
Para os três tipos de medicamentos, quando é aplicável a realização de estudos não clínicos para a avaliação do perfil toxicológico do produto, os estudos devem seguir os requisitos técnicos e de qualidade dos guias oficiais publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e devem ser realizados por laboratórios que sigam os Princípios das Boas Práticas de Laboratório - BPL (no Brasil, NIT-DICLA 035 e NIT-DICLA 071 e normas complementares).
A avaliação da segurança de medicamentos à base de cannabis é um processo amplo que envolve a análise de vários aspectos, que variam de acordo com o tipo de medicamento a ser registrado (fitoterápico, específico ou novo). Além disso, estudos não clínicos e clínicos demandam tempo e investimentos financeiros. Desta forma, é fundamental que as empresas iniciem o processo de adequação dos produtos à base de cannabis e de registro como medicamento muito antes de completar os cinco anos da validade da autorização sanitária. Um outro ponto importante é que a avaliação de segurança seja conduzida por toxicologistas experientes, de acordo com normas e guias nacionais e internacionais, e deixando claro o racional científico utilizado em cada etapa.
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Até breve,
Miriana Machado, PhD - CTO
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